sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Vejam lá se se entendem

Há uns tempos atrás ouvi vários comentadores, daqueles de trazer por casa que é a quem, infelizmente, os nossos media dão tempo de antena, criticarem Pedro Passos Coelho por ter dito “que se lixem a eleições”. Disseram na altura os doutos analistas que não deveria ter dito a famosa frase, que era um reconhecimento antecipado de derrota eleitoral, que era a mensagem errada para as hostes partidárias, etc. Não bastando isto, por várias vezes se criticou o Primeiro-ministro por anunciar medidas menos populares em vésperas de períodos eleitorais, dando assim corpo à anunciada intenção de não governar a pensar nos ciclos eleitorais, mas sim de acordo com a sua percepção do que é importante para o país.

Pasmei quando agora vêm os mesmos senhores dizer que o Primeiro-ministro fez mal por, no entender dos sábios comentadores, ter tido um discurso de optimismo moderado para o próximo ano na sua mensagem de Natal, acusando-o de eleitoralismo. Ora bem, vejam lá se se entendem, ou o criticam por não ser eleitoralista ou criticam por ser eleitoralista, pelas duas coisas já é mera oposição política e não análise jornalística.

Mas o mais curioso de tudo ainda é que a crítica à mensagem de Natal de Pedro Passos Coelho não se baseia apenas no tom de moderado optimismo, é por não ter tido um tom derrotista de pessimismo que esses senhores comentadores achavam que ele deveria ter tido. Segundo os mesmos o Primeiro-ministro deveria ter vindo dizer que o próximo ano vai ainda ser pior, que estamos muito mal, que não há esperança. Mas porquê? Todos os indicadores os contrariam, até o do consumo interno. Seria porque essa postura servia melhor as convicções políticas dos senhores comentadores? Porque não são capazes de engolir que se enganaram todas as vezes que afirmaram a pés juntos que seria preciso um segundo resgate ou que nunca conseguiríamos fazer uma saída limpa do programa de ajustamento?

Eu percebo a dor de cotovelo, mas a verdade é que o Governo conseguiu aquilo que esses senhores diziam ser impossível e se eu estivesse no lugar deles, em vez de vir abrir a boca e deixar falar o espírito, pelo menos, dava o benefício da dúvida a quem já por diversas vezes fez o que eles diziam inalcançável e esperava pelos resultados e pelos indicadores do próximo ano antes de voltar a dizer asneira. Claro que isso não lhes dava notoriedade, nem popularidade, mas pelo menos dava-lhes um ar de competência que é o que não têm demonstrado ao falhar as previsões todas.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O que é que não entendeu?

Se há coisa que me irrita é a arrogância, académica e não só. E ainda me irrita mais quando vem mascarada de purismo mas resulta da simples incompetência.

O Presidente da Comissão de Reforma do IRS, Rui Morais, veio criticar a decisão do Governo de criar uma cláusula de salvaguarda que garante que os portugueses, em resultado da reforma do IRS, não vão pagar mais IRS relativamente a 2015 do que pagariam se se mantivessem as regras de 2014, isto é sem a dita reforma.

Ora o que se pediu à Comissão foi que beneficiasse as famílias com mais filhos, não que prejudicasse as que têm menos ou nenhum, relativamente à situação actual. Se a Comissão não conseguiu encontrar uma forma de fazer isso e em situações limite pode haver prejuízo das famílias menos numerosas, o Governo e muito bem anunciou medidas para evitar um efeito que não foi o pretendido.

Agora vem a criatura dizer que para beneficiar uns teria de prejudicar outros, o que é obviamente mentira e uma mera figura de retórica.

Em termos relativos uns vão pagar menos e serão beneficiados, mas, em termos absolutos, os outros não têm de pagar mais.

Exemplifiquemos com números: Vamos supor duas famílias, uma com três filhos e outra sem filhos, que, pelas regras de 2014, teriam de pagar a primeira 500 euros e a segunda 1000 euros. O que se pretendia seria que a primeira pagasse, por exemplo, 400 euros e a segunda os mesmos 1000 euros, mas o resultado da reforma, em situações limite, não para a generalidade das famílias, poderia provocar que a segunda família viesse a pagar 1100 euros, coisa que o Governo não pretendia com a dita reforma e então aí entrará a cláusula de salvaguarda, fazendo com que a segunda família só pague os 1000 euros que pagaria se não houvesse reforma.

Será que é muito difícil de entender?

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

“Antonimamente”

Sempre achei que António José Seguro não tinha vida para líder do PS. Sempre me pareceu demasiado ingénuo para uma máquina trituradora como são as máquinas partidárias dos partidos do chamado “arco do poder.

Toda a gente anda a dizer que ele foi afastado porque não teve uma vitória retumbante nas europeias. É parcialmente verdade, no que toca aos militantes e simpatizantes de base do PS, mas ao nível das cúpulas a razão do seu afastamento não teve nada que ver com isso.

Vamos por partes. Para os militantes e simpatizantes do PS já era mais ou menos óbvio e dado como assente que Tó-Zé Seguro muito dificilmente poderia ganhar as eleições legislativas, mais parecia ir de vitória em vitória até à derrota final, portanto mais valia mudar já, aproveitando a magra vitória nas europeias que depois da derrota nas Legislativas.

Mas não foi isso que fez avançar António Costa, aliás, nem foi por isso que fizeram avançar António Costa.

Costa hesitou, como vinha hesitando já há algum tempo, porque tinha a noção de que o ideal para si era avançar a quatro ou cinco meses das Legislativas. Costa sabe que a partir de agora tem de falar sobre tudo e não apenas sobre o que lhe interessa e isso vai expor, como expôs durante a campanha interna, que ainda tem menos ideias para o país do que Seguro. Mas o calendário eleitoral não dava mais nenhuma hipótese e com Guterres a avançar para as Presidenciais, nada mais restava a António Costa que avançar agora, porque sabia que se Passos Coelho se apanha com um novo mandato sem troikas e com o défice controlado fica lá mais 8 anos e Costa nunca passaria de Presidente da Câmara de Lisboa, coisa de que já está mais do que farto.

Portanto este era o momento possível para defrontar o adversário no seu momento mais frágil, depois de um programa de ajustamento muito penoso para todo o país e contando com a falta de memória e de entendimento características dos portugueses que culpam o médico pela dureza do tratamento necessário em lugar de culpar o vírus que os fez adoecer.

Costa sabe e a “entourage” que o apoiou também, que as Legislativas não são favas contadas, há muita gente que apesar de estarem zangados com os sacríficios até percebem que não havia alternativas e acima de tudo não querem voltar a ter de passar por tudo de novo, coisa que as promessas de Costa e os rostos que o rodeiam começam a deixar antever. E aqui é que vai estar o grande problema de Costa, promessas de baixa de impostos e de aumento da despesa cheiram a nova troika passados um o dois anos, mas como é que ele vai conquistar votos se disser o mesmo que Passos Coelho vem dizendo há três anos? Para além disso a sua equipa vai exigir promessas mirabolantes para maximizar as hipóteses de vitória, independentemente do for para fazer a seguir.

Para Costa é assim um jogo de vida ou de morte, mas para o “inner circle” de apoiantes é uma situação de ganha-ganha e por isso o empurraram com tanto empenho.

Se olharmos para quem o rodeia vimos voltar os rostos do Guterrismo e do Socratismo, não há renovação, há sim o voltar ao passado, a renovação estava a ser feita por Seguro e por isso se tramou.

Nas Legislativas elegem-se deputados, que nas últimas décadas foram escolhidos pelos homens fortes de Guterres e de Sócrates, que eram os mesmos, mais coisa, menos coisa, mas que não eram os homens de Seguro e portanto haveria uma forte renovação no grupo Parlamentar do PS, quer em caso de vitória, ou de derrota, nas próximas Legislativas. Mas quem está no poder não o cede sem luta, por isso os velhos rostos do poder socialista apoiaram e empurraram Costa para a frente, porque assim eles mantêm, pelo menos, a capacidade de escolher os deputados com todo o poder e influência que isso significa.

Seguro foi simplesmente vítima das circunstâncias, de ter de liderar o seu partido depois da derrota do pior governo que há memória nas últimas décadas e de ter querido efectivamente renovar os rostos do poder socialista sem ser primeiro-ministro. Ingenuidade bem-intencionada, mas politicamente fatal.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Mitos Urbanos

As redes sociais são um meio privilegiado de propagação de mentiras que muitos têm como verdades. Alguém publica uma asneira, outros partilham, vários incautos divulgam, mais uns quantos comentam como se fosse verdade, outros confundem Portugal com o Brasil, deve ser efeito do famigerado acordo ortográfico, e está o “escândalo” armado.

Nos últimos tempos verifiquei que voltou à baila a famosa questão dos titulares de cargos públicos terem direito a uma subvenção vitalícia após 12 anos de mandatos. Já muita tinta correu e pelos vistos ainda continua a correr por algo que, essencialmente, já não existe.

Desde 2005 essa subvenção acabou, isto é, só está em vigor para os titulares de cargos públicos que em 2005 já tinham 12 anos de mandato, portanto que já tinham direitos adquiridos e como todos sabemos por Lei isso não pode ser alterado ou tínhamos logo o Tribunal Constitucional de lápis vermelho a chumbar a Lei. Todos os outros perderam essa possibilidade, estando sujeitos ao regime geral de segurança social como qualquer outro cidadão.

Essa questão existia porque a Lei na altura fazia contar a triplicar os anos de serviço em cargos públicos, logo 12 dava 36 anos e podiam reformar-se. Em 2005 deixou de contar em múltiplo e mesmo para aqueles que tinha 9, 10 ou 11 anos, esses anos contam apenas por um e não a triplicar.

Os últimos dados disponíveis diziam que aproximadamente 380 pessoas recebiam esta subvenção, com um valor médio mensal de 1780 euros.

Mais recentemente, já no actual Governo, mesmo aqueles que tinham esse direito, adquirido em 2005 recordemo-nos, ficaram com as subvenções suspensas se o rendimento do agregado familiar, além da subvenção, atingisse os 2 mil euros mensais, o que ainda veio reduzir mais a despesa do Estado com este tipo de subvenções.

Mas esta informação pelos vistos não foi divulgada, ou pelo menos não suficiente, as pessoas não se informam antes de embarcar na onda de indignação e continuam a perder tempo com fantasias.

sábado, 16 de agosto de 2014

M’espanto às vezes, outras m´avergonho

O Tribunal Constitucional é o mais incrível órgão que alguma vez existiu, ultrapassando de longe o Conselho da Revolução. Os seus membros são sem sombra para dúvida as mentes mais evoluídas e sabedoras de todo o planeta e arredores.

Ficámos a saber que uma norma é constitucional ou não em função da situação do país. Hoje não é inconstitucional, mas daqui a dois anos já é. Eu, inculto, pensava que a Lei era universal e que o que hoje é ilegal, amanhã também o será, ou vice-versa, a não ser que a Lei seja alterada. Mas não, pelos vistos não é assim, tudo depende da opinião dos doutos Juízes, não do texto da Constituição.

Mas o mais surpreendente ainda é que a inconstitucionalidade daqui a dois anos, mais uma vez não tem nada que ver com a constituição, mas sim com a previsão económica e financeira de que o país estará em condições de cumprir as regras do défice no seio da União Europeia.

Portanto, se o país estiver em dificuldades para cumprir as metas do défice não é inconstitucional, se não estiver já é. Imaginem que este vosso amigo é tão burro que pensava que o legal ou ilegal tinha que ver com a Lei e não com a opinião sobre o estado do país dos doutos Juízes do Tribunal Constitucional. Sinto-me envergonhado por tamanha falta de conhecimentos.

Mas o que me deixa ainda mais pasmo, porque não conhecia o dotes divinatórios e os méritos económicos dos doutos juízes, é a certeza de que em 2016 teremos um défice dentro dos limites previstos. Que pessoas fantásticas, como é possível que nós, aberrações da natureza certamente, ainda não lhes tenhamos entregue o governo do país e andemos para aqui às voltas com uma crise que estes senhores já sabem que vai acabar daqui a dois anos e que, certamente, também saberão como providenciar o dinheiro que Portugal precisa para pagar as suas contas, para acabar com a austeridade, repor o nível de vida e colocar-nos a todos a viver num país onde corra o leite e o mel.

Temos tais excelsos cidadãos, que alguns ainda têm a desplante de criticar, subaproveitados a verificar a legalidade de diplomas e outras minudências, o que até submete os doutos Juízes à violência de terem de justificar a sua superior opinião com base num texto constitucional feito por seres menores que se esqueceram de consagrar que a opinião dos doutos Juízes é que é lei e não o próprio texto da Constituição.

Francamente, que povo somos, como já alguém disse há uns séculos, não nos governamos nem nos deixamos governar.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Bom Banco…Mau Banco

Esta solução encontrada para não deixar cair o BES e mergulhar o país em mais uma crise bancária, até ver, parece bastante razoável.

Na realidade o que está a ser feito é separar em duas instituições o bom e o mau em termos bancários.

O bom banco, chamado Novo Banco, livra-se de todos os activos tóxicos ligados ao Grupo Espírito Santo, ao Banco Espírito Santo Angola e aos negócios de Miami, ficando com o restante que são bons activos e garantem a solidez financeira.

Claro que ao sair a estrutura de capital, os accionistas, o Novo Banco precisa de ter um reforço de capitais próprios, também aqui a solução me parece muito aceitável, não há encargos para o erário público, isto é para os contribuintes e usa-se essencialmente a linha de recapitalização financeira para os bancos, vinda dos tempos da troika, que também não pode ser utilizada para mais nada e dentro de seis meses quem comprar o Novo Banco vai ter de pagar, pelo menos, esses 4,9 mil milhões, mais juros.

A situação menos confortável é para os pequenos accionistas do BES, que vão ver as suas acções “congeladas”, são retiradas de Bolsa, ficam no Mau Banco e na prática para já vão perder esse dinheiro. Obviamente que quem compra acções sabe ao que se arrisca, mas aqui há uma diferença entre os grandes accionistas, com voz na administração e Assembleia Geral e os pequenos que nada tiveram a ver ou sequer puderam estar bem informados da forma como o Banco estava a ser conduzido.

Para os accionistas, grandes ou pequenos, a única esperança de um dia reaverem o seu capital seria o Mau banco conseguir sair da actual situação, coisa obviamente muito difícil e eventualmente impossível, muito embora, se o Bom Banco for vendido por mais do que o valor de recapitalização, o excesso vá para o Mau Banco, não creio que seja suficiente para ajudar a situação, na realidade o Mau Banco é para liquidar, sendo os seus accionistas os únicos prejudicados.

Em resumo, o BES faliu, os seus accionistas vão perder os seus capitais e suportar esses prejuízos, por outro lado cria-se uma nova instituição, com os activos bons do BES que vais ser vendida daqui a seis meses, mantendo-se a seguranças dos depósitos, os postos de trabalho e o normal funcionamento do banco que foi o BES.


Ficam no entanto dois alertas, um para o Banco de Portugal, sobre a eficácia da sua regulação e fiscalização e outro para os pequenos accionistas de qualquer banco, porque não estão protegidos por serem pequenos, assumem a mesma responsabilidade que os grandes se as coisas deram para o torto, o que poderá vir a causar maiores dificuldades em futuros aumentos de capital dos Bancos, visto que os pequenos investidores vão por certo recordar esta situação e retrair as suas participações, se até lá não surgir alguma salvaguarda relativamente a estes tal como acontece em relação aos pequenos depositantes.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Pão com Chouriço

Se algo é escrito na comunicação social passa logo a ser verdade, por mais absurdo que seja.

Vi ontem uma “noticia” que dizia que o governo tinha reduzido o IVA do pão com chouriço ou com torresmos.

Obviamente achei estranho, como não sou de acreditar em notícias bombásticas sem me informar do que realmente se passou, fui investigar, até porque já percebi dezenas de vezes que normalmente este tipo de questões são meias verdades ou até mentiras completas. 

Demorei 5 minutos a perceber que afinal, não fora o Governo mas sim a Autoridade Tributária, que não foi apenas o pão com chouriço ou com torresmos, mas também o pão com passas, com nozes, etc… e que tudo se baseou numa portaria de 1998, que visava proteger os produtos locais quando incorporados no pão com determinadas características, que fora anteriormente mal interpretada pela Autoridade Tributária que veio agora corrigir essa interpretação em sede de IVA, também de acordo com um outro diploma de 2003.

5 minutos foi o suficiente para perceber que estavam a gozar com a minha cara, a insultar a minha inteligência e a manipular a minha opinião.

É claro que esta questão, só por si, não é grave, o que é grave, é que é com o mesmo rigor com que aceitaram como verdade uma notícia destas que muitas pessoas formam a sua opinião sobre questões muito mais importantes para a nossa sociedade.


Depois admiramo-nos de fazer más escolhas e de passar anos a pagar as facturas dessas escolhas.

Os Antónios

Por estranho que pareça uma vitória pode facilmente transformar-se em derrota, basta que não tenha a dimensão que seria expectável e saiba a pouco. E foi isso mesmo que aconteceu a António José Seguro.

António Costa assumia-se como uma reserva dentro do PS. Soube gerir bem os silêncios durante três anos, não se comprometendo em assuntos potencialmente complicados, passando entre as gotas da chuva nas matérias decisivas, mantendo um capital político com umas intervenções teatrais, mas não assumindo a ambição

A magra vitória do PS nas Europeias deu-lhe a última oportunidade de chegar à liderança, de justificar a sua candidatura, embora todo este processo se tenha revelado demasiado penoso e penalizador tanto para ele como para Seguro. Tudo o circo montado à volta de congressos extraordinários, primárias com simpatizantes a votar, tem mostrado o desnorte do PS, tem mostrado que o que grande motivo de discórdia interna é o cheiro ao poder, o achar que é possível ao PS ganhar as próximas eleições legislativas e cada qual apoia aquele que acha ter melhores hipóteses.

Seguro venceu todas as eleições, mas nitidamente há a sensação de que irá de vitória em vitória até à derrota final. O resultado das Europeias, contra um governo que teve de fazer o que este governo teve de fazer deixa bem claro que Seguro não convence os portugueses e Costa percebeu que não podia adiar mais a sua entrada em cena, ou então perderia a oportunidade de vez.

Seguro perdeu a credibilidade quando se começou a demarcar das medidas do Programa de Ajustamento. Seguro concordava que era preciso reduzir o défice, em abstracto, mas não queria cortar nenhuma despesa, em concreto e nunca apresenta alternativas credíveis. A pouco e pouco, toda a gente foi percebendo que se tratava de simples posições eleitoralistas, que não estava a defender os interesses do país, mas sim os seus próprios, tentando ganhar popularidade. Seguro nunca apoiou uma medida de austeridade do Governo, ao contrário do que Passos Coelho fez com o Governo anterior e ultimamente, em desespero de causa, até começou a prometer voltar a elevar a despesa, o que por muito bonito que soe, deixa no ar a dúvida de que se Seguro chegasse ao poder e cumprisse essas promessas, poderíamos ter de novo a troika dentro de dois ou três anos, com mais e maiores medidas de austeridade.

Se Costa ganhar, esse vai ser o seu grande problema, ainda terá um ano de líder da oposição, de exposição a todos os problemas e não apenas àqueles que lhe são convenientes, como fez até agora, não vai poder estar calado e vai ter de dizer o que pensa, que alternativas propõe, que medidas defende em concreto ou então seguirá o mesmo caminho de Seguro perdendo a credibilidade.

Costa na campanha interna do PS vem assumir os Governos de Guterres e Sócrates, pudera, fez parte deles, também tem responsabilidade nos resultados, mas o que fará se for líder do PS? Irá também descomprometer-se das medidas de contenção orçamental, que também ajudou a que fossem necessárias, ou irá assumir posições de apoio ao Governo em medidas concretas?

Esse é o grande drama de António Costa, se ganhar terá um ano em que manter o partido consigo e ganhar o país poderão ser exercícios antagónicos e inconciliáveis.

E ele sabe que haverá sempre outro “António” à espreita da sua oportunidade

*Publicado na Imprensa

quinta-feira, 17 de abril de 2014

As Feras

Durante todo o inqualificável processo de exploração mediática da tragédia do meco estive em silêncio.

Já assisti a muitos linchamentos públicos de pessoas pela comunicação social com o simples e degradante motivo de subir as audiências e vender jornais e também já percebi que de nada servem os argumentos mais inteligentes do mundo contra um pouco de estupidez que esteja na moda e seja repetida diariamente pelos órgãos de comunicação social.

Praxei e fui praxado, e nas três Universidade a que estive ligado, quer como aluno, quer como professor, nunca vi nada que remotamente se parecesse ao que era descrito pelos "media" neste caso. Claro que há praxes violentas, que vão muito além do que seria aceitável, mas quase uma espécie de seita secreta de praxes violentas como a que era descrita sempre me pareceu algo inacreditável ou pelo menos muitíssimo improvável.

Agora a Policia Judiciária, uma das melhores polícias de investigação do mundo, vem concluir que a infeliz tragédia nada teve que ver com praxes e que todo o circo mediático montado à volta deste assunto só serviu para atrasar as investigações.

Fizeram-se programas de televisão, debates, reportagens, deram-se quase como provadas uma serie de coisas que pelos vistos não eram verdade, que foram meras invenções de gente com muito poucos escrúpulos, movidos pela ganância do lucro e explorando a emoção da tragédia de várias famílias. O sobrevivente foi caluniado, insultado, fizeram-lhe uma autêntica execução pública da sua personalidade. Afinal, parece que apenas teve um pouco mais de sorte que os seus colegas, mas todo este mediatismo vai marcá-lo para o resto da vida. Só espero que processe todos aqueles que o vilipendiaram e que paguem com língua de palmo as mentiras que disseram.

Este caso é o típico comportamento para que desde há algum tempo venho chamando a atenção. Dada a falta de escrúpulos, de profissionalismo, de carácter de muitos responsáveis de edição e de jornalistas, acreditar naquilo que se ouve e vê sem qualquer prova inegável, apenas com base em rumores, apenas com base em “fontes bem informadas” é estarmos a alienar a nossa consciência, a nossa inteligência e o nosso livre arbítrio.

Esta realidade atinge todas as áreas da nossa vida, todos os dias vimos notícias bombásticas, demolidoras para pessoas ou instituições que apenas se baseiam em boatos, em suspeitas, em previsões, em hipóteses, em futurologia com bola de cristal, mas que nada têm de concreto ou de substancial, mas como as pessoas acreditam em tudo o que lêem nos jornais ou na internet ou ouvem nos telejornais, essas falsidades acabam por se tornar factos nas suas mentes e criar as consequentes reacções de medo, repulsa, crítica, levando-os a formar uma opinião errada, inconsistente e meramente manipulada segundo os interesses que quem promoveu a mentira.

Quando se diz que a comunicação social é o quarto poder, não estamos a ser simpáticos, nem sequer a ser realistas, dada a falta capacidade, de filtro, das pessoas para analisar aquilo que lhe é impingido e com a impunidade com que se mente e se deturpam os factos neste país, a comunicação social não é o quarto, é o primeiro poder porque influencia a opinião e o comportamento de uma população crédula e incapaz de sentido critico em relação ao que considera “notícia”, por muito absurda, falsa ou manipuladora que ela seja.


Disse alguém que a grande falha do 25 de Abril foi a educação, o não ensinar as pessoas a pensar por si…infelizmente é cada vez mais evidente essa lacuna, essa fraqueza, que deixa os cidadãos à mercê das feras da selva que são os jogos de interesses em Portugal.

segunda-feira, 31 de março de 2014

O Manifesto


Como já tenho escrito aqui várias vezes, a economia não é uma ciência exacta, dá muita margem para opiniões e posições, por vezes diametralmente opostas, como solução para o mesmo problema. Mas há conceitos, princípios, bases, que são universais.

No jogo do risco, dos empréstimos, sejam a particulares, empresas ou países, a expectativa de evolução da situação económica, o comportamento esperado e capacidade de gestão dos recursos de que dispõem, a vontade e a consciência da enfrentar as fragilidades, são factores que determinam o custo do dinheiro. Os juros a pagar são sempre um jogo de expectativas e ninguém empresta dinheiro sabendo de antemão que a probabilidade de não o receber de volta é elevada, especialmente se houver histórico de uma situação dessas.

 Os signatários do famoso manifesto em defesa da reestruturação da dívida também sabem isto. No entanto, por senilidade ou má-fé, ou outros motivos ainda piores, vieram colocar em cima da mesa a única questão de que neste momento nem queremos ouvir falar, a pior proposta que se poderia fazer neste momento em que recuperámos a confiança de quem nos empresta o dinheiro que precisamos porque continuamos a gastar mais do que produzimos

Em bom rigor, Portugal tem vindo a reestruturar a sua dívida, tem vindo a alargar os prazos, a reduzir os juros, mas não com o conceito de que não pode pagar e nunca de forma aberta no mercado financeiro. É algo que se faz operação a operação, negociando sigilosamente com os credores e substituindo dívida que se vence por outra em melhores condições.

Isto também os signatários do manifesto sabem, como sabem que é assim que as coisas se fazem, não através de uma declaração pública que só iria dar motivos para os especuladores fazerem subir os juros da dívida, que estão cada vez mais baixos e começam a ser sustentáveis, o que reforça a desadequação da proposta e a sua completa inconveniência.

Mas há mais, uma boa parte da dívida está em mãos dos bancos nacionais, obrigados pelo anterior governo a comprar dívida pública e da própria Segurança Social. Não pagar, reestruturar a dívida reduzindo ou eliminando esses pagamentos seria lançar para a falência imediata os principais bancos e a Segurança Social, com consequências completamente desastrosas para o país. Então sim teríamos uma crise para mais de uma década, com cortes insustentáveis do ponto de vista social e condenados a uma quebra de bem-estar que nos colocaria ao nível de países do chamado terceiro mundo.

E mais uma vez, os signatários do manifesto também sabem isto, como sabem tudo o anterior, pelo que de novo não se percebe que raio de intenções os animaram a produzir tamanha imbecilidade, ainda para mais quando estamos perto de uma saída limpa do programa de assistência financeira, neste momento é quase um crime contra o interesse nacional.

Já todos percebemos que mais tarde ou mais cedo vai ser necessário repensar a questão das dívidas soberanas dos países da União, vai ter de ser feito em conjunto e com medidas cautelares assumidas nas Constituições dos diversos países, como até já defendi neste espaço, mas nunca unilateralmente. Até lá, por muito que custe aos signatários do manifesto, vão ter contribuir como todos nós para ir amortizando a dívida, aliás, a dívida que a sua geração criou, não vai conseguir saldar e vai deixar de herança para os filhos e netos pagarem.
*Artigo de opinião publicado na imprensa local.

domingo, 2 de março de 2014

Mestres de tudo

Há um provérbio que reza “mestres de tudo, fazedores de nada” para ridicularizar aquelas pessoas que sabem tudo, que sobre tudo têm firme e douta opinião, embora na hora de fazer, na hora de demonstrar os conhecimentos que deveriam suportar essas opiniões se verifique que afinal, nada sabem.

Desde há aproximadamente um ano vimos assistindo a um conjunto de comentadores a opinar sobre como seria a nossa saída do programa de assistência financeira. E ouvimos de tudo e todos os dias. Ora vinha um dizer que um segundo resgate era inevitável, ora vinha um jornal publicar que até já estava a ser discutido, ora vinha outro a afirmar que teríamos um programa cautelar, enfim, cada qual dizia o que no momento lhe parecia mais adequado para ter os holofotes da opinião pública e dos media sobre ele, independentemente de ter qualquer motivo sustentado para emitir opinião.

E esta é a realidade da nossa comunicação social. Sempre que alguém vem com comentários alarmistas, ainda que completamente infundados, tem tempo de antena e direito aos seus três minutos de glória nos meios de comunicação social, não importando o quanto isso intoxica a opinião pública, o quando isso possa prejudicar a verdadeira informação e até o país.

Claro que isto acontece porque nós temos um nível cultural e cientifico infelizmente ainda insuficiente para filtrar e para exigir dos “media” um outro nível de informação e de rigor.
Claro que isto acontece porque os “media” não exigem coerência a quem profere previsões, não seleccionam a qualidade dessas informações, nem sequer estão muito preocupados se existe alguma verdade ou base real para as opiniões proferidas, simplesmente são convenientes no momento para obter audiências e isso sobrepõem-se a tudo o resto.

Sempre que vejo um comentador, daqueles que comentam tudo e mais alguma coisa com a autoridade de “expert” em todas as matérias, fico logo de pé atrás e como muitas vezes entram assuntos que são da minha especialidade e ouço as asneiras que dizem, pergunto-me que raio de informação é aquela, aquilo não passa de um circo mediático.

Há assuntos que são muito técnicos, todos podemos ter opinião, mas para a difundir para o país, para reconhecer autoridade a alguém para expressar a sua opinião sobre uma matéria deve haver alguma filtragem, é preciso que a pessoa tenha efectivamente conhecimentos para poder opinar sobre o assunto, sob pena de a sua opinião não valer mais, nem dever ter maior projecção ou divulgação do que a opinião de qualquer outro cidadão.

Neste momento já sabemos que não haverá segundo resgate, ainda não sabemos se haverá programa cautelar, mas está na altura de voltar a questionar todos os sábios que afirmaram que esse segundo resgate era inevitável como é que falharam tão redondamente a sua previsão, no que é que se baseavam, o que é que correu mal, ou neste caso bem para Portugal, para que esse inevitável segundo resgate não viesse a suceder. Como dizem os espanhóis, “ De touros sabem as vacas e não são todas!” Sobre economia, sabem os economistas e, como se provou por algumas opiniões de colegas que ouvi sobre o segundo regate, não são todos, quando mais os que nem o são.


Se as pessoas fossem confrontadas com as barbaridades que proferem quando se verifica que estavam a dizer asneira teríamos provavelmente melhores análises, melhores opiniões e uma informação de muito melhor qualidade, que ajudasse a dar formação às pessoas em lugar de simplesmente as assustar.

*Publicado no Jornal A Planície

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Professores


Na grande maioria dos currículos escolares, os aspectos práticos acabam por perder pontos para os teóricos e, em bom rigor, há muita coisa que não se pode ensinar nas escolas, que tem de ser depois na prática do dia-a-dia que se completa essa formação.

Sejamos sinceros, nem sempre a habilitação académica garante as necessárias características para exercer uma determinada profissão, nem sempre o que é valorizado no percurso académico está de acordo com as exigências da prática de uma determinada profissão e nem todos têm essas características.

Especificamente na área do ensino as coisas ainda são menos lineares. Um professor é bem mais do que um mero depositário de conhecimentos, não basta saber, é preciso saber transmitir, saber estimular o interesse do aluno por aprender. Há aqui características pessoais também em causa. Significa isto que um bom químico ou um bom economista não será, obrigatoriamente, um bom professor apenas porque na sua área científica especifica é um bom profissional.

Para que conste tenho o maior dos respeitos e admiração pelos professores, já muitas vezes estive nessa pele, desde o ensino secundário, ao profissional, até ao superior e portanto sei bem as exigências do que significa ser professor neste país onde, para além das constantes reformas e falta de meios, a maior parte dos pais não estimulam nos filhos o desejo se enriquecerem enquanto seres humanos e futuros profissionais, mas apenas de ter notas que garantam a progressão escolar. Por outro lado todos nós tivemos professores excepcionais que nos marcaram positivamente para a vida e outros que nunca deveriam ter pisado uma sala de aulas, porque a sua actuação no ensino era nitidamente um erro de casting.

Daqui quero concluir que por princípio não me choca que haja provas de acesso à carreira de professor, tal como há para ser advogado, TOC, etc., onde se possam aferir não só as qualidades técnicas, científicas e pedagógicas do candidato, como também as pessoais que indiciem a adequação à função que vão exercer. Ser professor deveria ter um certificado de qualidade, quer no acesso, quer depois no exercício, até como forma de valorizar quem se presta a essa difícil e nobre actividade.

Reforço esta convicção por acreditar que ser professor é uma das funções mais importantes na nossa sociedade, apesar de hoje pouco valorizada, até, se calhar, porque o nível de exigência na escolha dos professores nunca foi o mais adequado, na verdade, durante muitos anos, quem não tinha colocação na sua área científica de formação ia para o ensino como solução de recurso. Mas independentemente disso, ser professor é uma responsabilidade imensa, é quem forma, desde a infância até à idade adulta, os profissionais do futuro e tem também uma importante influência nos valores que os alunos vão interiorizando e adquirindo. Os professores moldam os alunos e assim são determinantes para o sentido da evolução da nossa sociedade, não são apenas transmissores de conhecimentos técnicos.

Se esta prova de admissão deve ser feita quando o candidato concorre a uma colocação, se deve ser feita após o final da formação como acesso a poder concorrer, se deve ser feita após ter acesso real à profissão, são matérias para debate, tal como os conteúdos, modelos de avaliação, etc. em relação ao que não me sinto conhecedor o suficiente para discutir, mas que deveria haver um filtro no acesso à carreira, com isso concordo.

* Artigo de opinião publicado na imprensa