segunda-feira, 31 de março de 2014

O Manifesto


Como já tenho escrito aqui várias vezes, a economia não é uma ciência exacta, dá muita margem para opiniões e posições, por vezes diametralmente opostas, como solução para o mesmo problema. Mas há conceitos, princípios, bases, que são universais.

No jogo do risco, dos empréstimos, sejam a particulares, empresas ou países, a expectativa de evolução da situação económica, o comportamento esperado e capacidade de gestão dos recursos de que dispõem, a vontade e a consciência da enfrentar as fragilidades, são factores que determinam o custo do dinheiro. Os juros a pagar são sempre um jogo de expectativas e ninguém empresta dinheiro sabendo de antemão que a probabilidade de não o receber de volta é elevada, especialmente se houver histórico de uma situação dessas.

 Os signatários do famoso manifesto em defesa da reestruturação da dívida também sabem isto. No entanto, por senilidade ou má-fé, ou outros motivos ainda piores, vieram colocar em cima da mesa a única questão de que neste momento nem queremos ouvir falar, a pior proposta que se poderia fazer neste momento em que recuperámos a confiança de quem nos empresta o dinheiro que precisamos porque continuamos a gastar mais do que produzimos

Em bom rigor, Portugal tem vindo a reestruturar a sua dívida, tem vindo a alargar os prazos, a reduzir os juros, mas não com o conceito de que não pode pagar e nunca de forma aberta no mercado financeiro. É algo que se faz operação a operação, negociando sigilosamente com os credores e substituindo dívida que se vence por outra em melhores condições.

Isto também os signatários do manifesto sabem, como sabem que é assim que as coisas se fazem, não através de uma declaração pública que só iria dar motivos para os especuladores fazerem subir os juros da dívida, que estão cada vez mais baixos e começam a ser sustentáveis, o que reforça a desadequação da proposta e a sua completa inconveniência.

Mas há mais, uma boa parte da dívida está em mãos dos bancos nacionais, obrigados pelo anterior governo a comprar dívida pública e da própria Segurança Social. Não pagar, reestruturar a dívida reduzindo ou eliminando esses pagamentos seria lançar para a falência imediata os principais bancos e a Segurança Social, com consequências completamente desastrosas para o país. Então sim teríamos uma crise para mais de uma década, com cortes insustentáveis do ponto de vista social e condenados a uma quebra de bem-estar que nos colocaria ao nível de países do chamado terceiro mundo.

E mais uma vez, os signatários do manifesto também sabem isto, como sabem tudo o anterior, pelo que de novo não se percebe que raio de intenções os animaram a produzir tamanha imbecilidade, ainda para mais quando estamos perto de uma saída limpa do programa de assistência financeira, neste momento é quase um crime contra o interesse nacional.

Já todos percebemos que mais tarde ou mais cedo vai ser necessário repensar a questão das dívidas soberanas dos países da União, vai ter de ser feito em conjunto e com medidas cautelares assumidas nas Constituições dos diversos países, como até já defendi neste espaço, mas nunca unilateralmente. Até lá, por muito que custe aos signatários do manifesto, vão ter contribuir como todos nós para ir amortizando a dívida, aliás, a dívida que a sua geração criou, não vai conseguir saldar e vai deixar de herança para os filhos e netos pagarem.
*Artigo de opinião publicado na imprensa local.

domingo, 2 de março de 2014

Mestres de tudo

Há um provérbio que reza “mestres de tudo, fazedores de nada” para ridicularizar aquelas pessoas que sabem tudo, que sobre tudo têm firme e douta opinião, embora na hora de fazer, na hora de demonstrar os conhecimentos que deveriam suportar essas opiniões se verifique que afinal, nada sabem.

Desde há aproximadamente um ano vimos assistindo a um conjunto de comentadores a opinar sobre como seria a nossa saída do programa de assistência financeira. E ouvimos de tudo e todos os dias. Ora vinha um dizer que um segundo resgate era inevitável, ora vinha um jornal publicar que até já estava a ser discutido, ora vinha outro a afirmar que teríamos um programa cautelar, enfim, cada qual dizia o que no momento lhe parecia mais adequado para ter os holofotes da opinião pública e dos media sobre ele, independentemente de ter qualquer motivo sustentado para emitir opinião.

E esta é a realidade da nossa comunicação social. Sempre que alguém vem com comentários alarmistas, ainda que completamente infundados, tem tempo de antena e direito aos seus três minutos de glória nos meios de comunicação social, não importando o quanto isso intoxica a opinião pública, o quando isso possa prejudicar a verdadeira informação e até o país.

Claro que isto acontece porque nós temos um nível cultural e cientifico infelizmente ainda insuficiente para filtrar e para exigir dos “media” um outro nível de informação e de rigor.
Claro que isto acontece porque os “media” não exigem coerência a quem profere previsões, não seleccionam a qualidade dessas informações, nem sequer estão muito preocupados se existe alguma verdade ou base real para as opiniões proferidas, simplesmente são convenientes no momento para obter audiências e isso sobrepõem-se a tudo o resto.

Sempre que vejo um comentador, daqueles que comentam tudo e mais alguma coisa com a autoridade de “expert” em todas as matérias, fico logo de pé atrás e como muitas vezes entram assuntos que são da minha especialidade e ouço as asneiras que dizem, pergunto-me que raio de informação é aquela, aquilo não passa de um circo mediático.

Há assuntos que são muito técnicos, todos podemos ter opinião, mas para a difundir para o país, para reconhecer autoridade a alguém para expressar a sua opinião sobre uma matéria deve haver alguma filtragem, é preciso que a pessoa tenha efectivamente conhecimentos para poder opinar sobre o assunto, sob pena de a sua opinião não valer mais, nem dever ter maior projecção ou divulgação do que a opinião de qualquer outro cidadão.

Neste momento já sabemos que não haverá segundo resgate, ainda não sabemos se haverá programa cautelar, mas está na altura de voltar a questionar todos os sábios que afirmaram que esse segundo resgate era inevitável como é que falharam tão redondamente a sua previsão, no que é que se baseavam, o que é que correu mal, ou neste caso bem para Portugal, para que esse inevitável segundo resgate não viesse a suceder. Como dizem os espanhóis, “ De touros sabem as vacas e não são todas!” Sobre economia, sabem os economistas e, como se provou por algumas opiniões de colegas que ouvi sobre o segundo regate, não são todos, quando mais os que nem o são.


Se as pessoas fossem confrontadas com as barbaridades que proferem quando se verifica que estavam a dizer asneira teríamos provavelmente melhores análises, melhores opiniões e uma informação de muito melhor qualidade, que ajudasse a dar formação às pessoas em lugar de simplesmente as assustar.

*Publicado no Jornal A Planície