Confesso que sempre me irritaram as pessoas que se arrogam ares de superioridade moral. Não porque cada um de nós não tenha o direito de se achar moralmente irrepreensível, mas porque a essa postura está sempre associado um julgamento dos outros, um juízo de valor e de intenção em relação à moralidade alheia, quase sempre pejorativo. Ora, ninguém tem o direito de diminuir a qualidade moral dos outros para enaltecer a sua.
A triste declaração de D. José Policarpo de que "ninguém sai da política com as mãos limpas" é um exemplo dessa lamentável postura e neste caso particularmente infeliz por vir de um alto responsável da Igreja Católica, que não sendo o primeiro, acaba por vir lançar uma pedra esquecendo-se de que só os "sem pecado" o devem fazer e a sua instituição não é exactamente impoluta.
Em Portugal, também fruto de alguns maus exemplos, é lugar comum achar que quem faz política não é muito honesto, que anda à procura de enriquecer rapidamente e de forma ilícita, quando na realidade a política nem é a actividade mais lucrativa que se pode ter na sociedade, mas de certeza uma das mais expostas e mais fáceis de controlar do ponto de vista da acumulação de património.
A verdade é que há pessoas honestas e pessoas desonestas na política, como de resto em todos os sectores e actividades da sociedade, pelo que não se pode, nem deve, julgar toda uma classe pelos actos de alguns dos seus membros. Isso é uma injustiça inqualificável, como seria considerar que, perante situações já havidas e comprovadas de corrupção e fraude no seio da Igreja Católica, todos os membros do clero são desonestos.
D. José Policarpo prestou um mau serviço ao país. Quando os políticos, esses malandros, andam a tentar atrair pessoas honestas e competentes para a actividade política, porque entendem, porque entendemos, que a política é função de serviço à sociedade e ao próximo, aparecem comentários como este que em lugar de aproximar as pessoas da política, da condução do nosso destino colectivo, apenas as afastam e deixam mais lugar para aqueles que são eventualmente menos honestos ou cujas intenções não são as mais correctas.
Infelizmente, neste caso, quem sujou as mãos foi o Cardeal Patriarca de Lisboa. Sujou as mãos porque em lugar de incentivar à participação cívica, ajudou a diminui-la e sujou as mãos porque sendo um dignitário da Igreja não observou a recomendação bíblica que nos diz : " Não julgueis, para não serdes julgados, pois, conforme o juízo com que julgardes, assim sereis julgados e, com a medida com que medirdes, assim sereis medidos."
Agora todos temos o direito de medir D. José Policarpo com a mesma vara e com a mesma generalização com que ele mediu.