quinta-feira, 3 de julho de 2014

Os Antónios

Por estranho que pareça uma vitória pode facilmente transformar-se em derrota, basta que não tenha a dimensão que seria expectável e saiba a pouco. E foi isso mesmo que aconteceu a António José Seguro.

António Costa assumia-se como uma reserva dentro do PS. Soube gerir bem os silêncios durante três anos, não se comprometendo em assuntos potencialmente complicados, passando entre as gotas da chuva nas matérias decisivas, mantendo um capital político com umas intervenções teatrais, mas não assumindo a ambição

A magra vitória do PS nas Europeias deu-lhe a última oportunidade de chegar à liderança, de justificar a sua candidatura, embora todo este processo se tenha revelado demasiado penoso e penalizador tanto para ele como para Seguro. Tudo o circo montado à volta de congressos extraordinários, primárias com simpatizantes a votar, tem mostrado o desnorte do PS, tem mostrado que o que grande motivo de discórdia interna é o cheiro ao poder, o achar que é possível ao PS ganhar as próximas eleições legislativas e cada qual apoia aquele que acha ter melhores hipóteses.

Seguro venceu todas as eleições, mas nitidamente há a sensação de que irá de vitória em vitória até à derrota final. O resultado das Europeias, contra um governo que teve de fazer o que este governo teve de fazer deixa bem claro que Seguro não convence os portugueses e Costa percebeu que não podia adiar mais a sua entrada em cena, ou então perderia a oportunidade de vez.

Seguro perdeu a credibilidade quando se começou a demarcar das medidas do Programa de Ajustamento. Seguro concordava que era preciso reduzir o défice, em abstracto, mas não queria cortar nenhuma despesa, em concreto e nunca apresenta alternativas credíveis. A pouco e pouco, toda a gente foi percebendo que se tratava de simples posições eleitoralistas, que não estava a defender os interesses do país, mas sim os seus próprios, tentando ganhar popularidade. Seguro nunca apoiou uma medida de austeridade do Governo, ao contrário do que Passos Coelho fez com o Governo anterior e ultimamente, em desespero de causa, até começou a prometer voltar a elevar a despesa, o que por muito bonito que soe, deixa no ar a dúvida de que se Seguro chegasse ao poder e cumprisse essas promessas, poderíamos ter de novo a troika dentro de dois ou três anos, com mais e maiores medidas de austeridade.

Se Costa ganhar, esse vai ser o seu grande problema, ainda terá um ano de líder da oposição, de exposição a todos os problemas e não apenas àqueles que lhe são convenientes, como fez até agora, não vai poder estar calado e vai ter de dizer o que pensa, que alternativas propõe, que medidas defende em concreto ou então seguirá o mesmo caminho de Seguro perdendo a credibilidade.

Costa na campanha interna do PS vem assumir os Governos de Guterres e Sócrates, pudera, fez parte deles, também tem responsabilidade nos resultados, mas o que fará se for líder do PS? Irá também descomprometer-se das medidas de contenção orçamental, que também ajudou a que fossem necessárias, ou irá assumir posições de apoio ao Governo em medidas concretas?

Esse é o grande drama de António Costa, se ganhar terá um ano em que manter o partido consigo e ganhar o país poderão ser exercícios antagónicos e inconciliáveis.

E ele sabe que haverá sempre outro “António” à espreita da sua oportunidade

*Publicado na Imprensa

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