sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Reflexões

Que a justiça vai mal em Portugal, já todos sabemos e que por norma a culpa morre solteira é uma frase já interiorizada pelos portugueses.

Ao longo dos anos assistimos, impávidos e serenos, a que fugas de informação de processos que estão em segredo de justiça sejam publicadas pela comunicação social sem que ninguém seja punido por isso. Estas fugas, na realidade acabam por prejudicar o bom andamento dos processos de investigação e muitas vezes impedir o apuramento da verdade.

Quase tão grave como isto é a postura de julgar as pessoas na praça pública e se for um político então é logo considerado culpado, mesmo que nada haja que o incrimine, basta alguém levantar a suspeita.

Tivemos ao longo da nossa história recente várias pessoas, dos mais variados quadrantes políticos que viram a sua vida afectada, a sua credibilidade e bom nome destruídos por simples insinuações sem prova nem sentido.

E tudo isto está muito relacionado com a criatividade dos jornalistas ao fazer os títulos. Hoje vi mais um exemplo desta falta de pudor no portal do Sapo. Um titulo diz "Suspeita de tráfico de influências entre Passos e presidente do Bes Investimento". Ao ler isto fiquei com a sensação de que teria havido conversas impróprias entre Passos Coelho e José Maria Ricciardi, mas ao ler a notícia verdadeira, verifica-se que quando questionado sobre o assunto em causa, o Primeiro-ministro limitou-se a dizer "Desculpa, mas não posso falar contigo sobre esse assunto.", deixando bem claro que não iria dar qualquer informação.

Agora vejamos, se o titulo fosse que Ricciardi tentou ter informações, estaria correcto, agora suspeita de trafico de influências? Isso pressupõe que houvesse resposta positiva à solicitação, o que não houve, pelo que mais uma vez se tenta pôr em causa o bom nome de uma pessoa para fazer manchetes que atraiam leitores.

Este é apenas um caso recente, mas dezenas de outros acabam por ficar no limbo, por nunca ser esclarecidos, com escutas destruídas, com processo arquivados sem se limpar o bom nome das pessoas e deixando impunemente uma sensação de corrupção generalizada e de suspeita no ar. 

É verdade que cada qual mede os outros por si próprio, e muita gente que vem clamar contra a suposta corrupção dos políticos ou homens de negócios, seria capaz de ser corrupto se estivesse nessa posição e logo não acreditam que outros, podendo beneficiar-se pessoalmente de determinadas situações não o façam, como este exemplo bem evidencia.

A corrupção é uma questão de moralidade, algo que tem sido desvalorizado muito nas últimas décadas. Os conceitos de honra, de verticalidade, de bom-nome, têm vindo a sucumbir perante o chico-espertismo, o aproveitamento sem escrúpulos das situações. Hoje, infelizmente, a palavra das pessoas não vale nada, quando foi, durante séculos, a garantia mais prezada e que sustentou as relações na sociedade, porque se perderam os conceitos de integridade e honestidade como fundamentais para a vida em sociedade e esta sociedade aceitou como seus e como normal a convivência com aldrabões, com falsários, com traidores e gente desleal. Começamos a pagar com língua de palmo a decadência moral que vamos tolerando e até incentivando. 

É este o caminho por onde vamos, é moderno, é "prá frente", mas é absolutamente errado, não nos vai levar a nada de bom, porque destrói os princípios de comportamento e de respeito mútuos na sociedade e nos deixa sem substrato, sem elevação, sem valores. 

É aqui que se começa a perder é próprio humanismo. As regras sociais não existem para ser um espartilho, existem para regular o relacionamento das pessoas, evitando os extremismos que acabam por deformar o nosso carácter e nos degradar enquanto seres humanos. Por este caminho teremos uma sociedade em que não vamos gostar nada de viver, uma sociedade do "vale-tudo", dominada pela lei do mais forte, do mais esperto, do mais corrupto, do mais egoísta, do pior que há no ser humano.

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